sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mãe Árvore

Vista de minha casa ao anoitecer de ontem
Mudo nomes, desordens e desvio-me mesmo em alguns contra-pontos mas só porque me apetece a escrita solta, sem grandes investigações. Esta história passa-se num dia mas tem como cenário os tempos que já lá vão. Isto porque, e vou repetir as vezes que me necessitar, por aqui o tempo parece sobrepor-se ao tempo que conhecemos. O hoje pode ser hoje mas porque caiu num acaso. Pode ser também o ontem vivo e cheio de amanhãs.

(Deliro com isso)

Senão como se explica que eu me tenha encontrado, no mesmíssimo dia, na Direcção Distrital de Educação e nas enormes cheias que atingiram esta zona em 2000?
A vista do gabinete era tão aberta, tão desfeita de grandezas que me esqueci totalmente que me encontrava perante um director. Nem me levantei, cumprimentei ou mergulhei na boa educação:
- Tanto espaço…
- Vês aquela árvore?
Sigo-lhe o dedo.
- Ali nasceu uma criança.
Claro que acordei do sonho. Sou dada a exageros mas até eu me imponho certas regras: crianças nascidas em árvores implica que transbordo demasiado da realidade. Digo um, dois, três, bato com os calcanhares e acordo das minhas fantasias.
- Como está Sr. Director, sou a nova voluntária do Centro Comunitário.
Desfez-se no sorriso vindo das profundidades, o mesmo que eu já conhecia de outras gentes sempre que sabem que sou voluntária, mas não se desviou nem um milímetro no sentido daquela árvore.
- Vou-te apresentar.
(não sei se aguento, juro, não sei se aguento ser apresentada a uma árvore)
Descemos as escadas, saímos daquela abertura de janela até chegarmos à Rosa, uma mulher ténue com olhos de encanto.
- A Rosa é a mãe da Rosita, bebé de milagre.
O sim de concordar da Rosa desfez qualquer dúvida que ainda pairasse nos meus interiores.
Em cima daquela árvore, durante cinco dias, de cheias e das maiores fatalidades, a família da Rosa atingiu a sobrevivência. E ainda cresceu.
Sabia que havia árvores que nos abraçavam. Conheço uma que até vai para além do mais. Mas esta tem um verdadeiro traço humano.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Momentos

Estou a escrever directamente no blogue para nem sequer cair em tentações de resguardo. Exponho porque me conheço. Tinha dúvidas em escrever aqui, num espaço público, algumas histórias que vivo por cá, porque sei que não estou apenas a viajar, sei que venho como voluntária através de uma ONG que, a cada dia, admiro mais profundamente; sei que poderá haver susceptibilidades que, sem querer, se sintam feridas. Mas isso seria se não me conhecesse… Estou aqui porque respeito, do meu fundo, este povo e é SEMPRE com essa certeza que as palavras me sairão das mãos.


Hoje caiu-me uma asa.
(no seu lugar fica um abismo)

Sabia que vinha para África. Tão grande, tão inicial. Não tinha a menor dúvida que me ia surpreender a cada passo, que ia aprender, ajudar, dar-me. Mas não sabia. Não sabia o que era verdadeiramente um momento solene. E foi um momento tão cru que se transformou em eternidade.
Depois de alegrias, jogos da bola, desenhos de mãos e alguns cansaços, apagou-se a manhã com a chegada da refeição. Calaram-se os risos. Sentaram-se nas cadeiras e mesinhas, minúsculos e gigantes no seu silêncio. São servidas as sopas e ninguém lhes toca. Ninguém lhes toca. Nem a fome. Todos têm uma taça à frente. Não sei pelo que esperam. Eu desespero, sem ousar qualquer som. Até que começam. Lenta e tão silenciosamente. Começam.
Eu choro-me na minha mudez sem perceber em que pensavam antes de começarem a comer. O que lhes parou o riso. Acho que nunca vou saber. Nunca vou saber que imensidão lhes esmaga a voz naquele instante. Falo de crianças, entre os dois e os quatro anos. E de um Centro Comunitário que tenta contornar-lhes a vulnerabilidade.
A mim…
Caiu-me só uma asa.
No seu lugar ficou um abismo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Não tenho palavras...


O tempo, definitivamente, não é estanque. Estou cá há um mês mas com apenas 7 dias dentro.
Só vos quero dizer isto: após ter sido tão cheio de histórias, o meu dia acabou assim… a ressuscitar pintos.

A vida é-me bela.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Viagens dentro da viagem

Cajueiros numa Machamba do Chimundo (Fotografia tirada às pressas. Ainda não tiro fotos às pessoas. Porque... não.)
Tenho enviado as minhas histórias por mail em vez de actualizar o blogue. Mas desta vez apetece-me este caminho.
Para quem não sabe, estou a viver no Chibuto e a trabalhar no Chimundo. É longe e desloco-me de bicicleta. Está muito calor, há subidas e terra solta. É duro. Após cada viagem demoro uma hora a tornar-me decente. Quase derrapo no meu suor que se transforma em piscina olímpica em dois minutos e meio. Se não fossem as aulas de Natação do Francisco Alves temia pela própria vida. Mas ontem… ontem foi diferente…

Fiz o caminho de Bicla para lá e para cá. E... gostei.
Veio cá a casa, lanchar água, um professor Moçambicano. Quando lhe falei do meu sentimento em relação ao caminho senti-lhe uma pausa.
...
...
...
e disse-me:
- Vais chocar com o sobressalto.
(merda... não percebi, é uma frase linda mas não percebi. Como vou tentar esclarecer? Uma boa técnica é repeti-la. Tento.)
- Vou chocar com o sobressalto?
- Sim. Quando pensas em sofrimento, vais, pelo menos, tropeçar no sobressalto.
E conversámos sobre como poderia enfrentar o caminho diário de bicicleta.
Posso pensar que nessa altura, enquanto pedalo, ninguém me pode interromper, posso pensar naquilo que mais gosto, aproveitar o cheiro, ir sentindo o ambiente. Foi o que fiz. Seguindo as palavras de alguém que de Moçambique, além desta terra, só conhece Maputo, que todos os dias anda uma hora para ir dar aulas e que nem imagino o sofrimento por que já passou.
O N. tem 25 anos.
No dia seguinte, no caminho para lá, sozinha comigo, vivi uma das melhores experiências da minha vida:
Não houve uma única pessoa que não me dissesse Bom Dia. Desde Chibuto ao Chimundo, por alcatrão e por terra, com calor e dificuldade, estive SEMPRE acompanhada pela força do desejo daquelas pessoas. E foi o que decidi ter, naquele momento, decidi que iria ter um Bom Dia.
Ao início apenas sorria, depois já gritava um belo Bom Dia. Mas depois comecei a acenar, só uma mão no guiador... estrada de areia… muitas vezes quase a perder o controlo... BOM DIA!... Ups... duas mãos de volta ao guiador e aos acenos de sorrisos.

Sim… esta terra ainda tem paraísos.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Cheguei...


Pouso em África. Com o desconhecido a despertar-me a humanidade.