segunda-feira, 29 de março de 2010

Está na hora...


Antes de vir, talvez duas semanas não mais, e no mesmo dia em que soube no que consistia o meu trabalho no Centro Comunitário, enviei um mail a alguns amigos e família a pedir apoio. Não moral, que esse já me transbordava, muito físico. Precisava de material onde me pudesse apoiar. Tudo o que tivessem, soubessem ou quisessem inventar. E foi a primeira surpresa. Não sabia que podia chover informação. A cântaros. Livros, jogos, músicas, histórinhas, filmes, ideias, ideias, ideias, via internet, via correio, via “deixei na portaria”, via terceiros ou em total presença. Conheci amigos de amigos que me levaram a casa e disseram: escolhe. E escolhi… Guardei tudo em baldes, como se guarda a chuva, por temas e possibilidades: jogos de rua, de interior, saúde, higiene, trabalhos manuais e musicais, pedagogias e tantas literaturas. Tudo entre telefonemas e cartas para a TAP para que me permitissem o peso. Não, roupa já não posso levar… E as bolas da escola de S. João vão vazias, livres de ar e de peso, voleibol encaixado em futebol que se adapta a basquetebol, junto ao livro de origamis, aos panfletos de como lavar os dentes, às canetas, lápis , às mil e uma noites e a outras tantas de criatividades…
Está na hora… de vos agradecer. Porque de surpresa passou a absoluta certeza: o mundo altera-se mesmo com os nossos gestos. Aí, aqui, em qualquer lugar. Basta querer. Muito. E fazer com que aconteça.
Obrigada.
(e só parece pouco se não sentirem que me transformo na própria palavra. Obrigada… por terem sido a minha chuva)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Sorte

Há dias que insistem em testar-nos. De insignificâncias crescem até ao limite do cansaço, da surpresa, de uma certeza: vou ter saudades de cá.
Ontem quando ia a sair do Centro Comunitário pus o telemóvel no bolso com a certeza que me ia cair mas a ignorar a sensação atirei-me para o caminho de bicicleta de volta ao Chibuto. Raramente acontece mas às vezes ignoro a certeza do meu instinto. Normalmente não evito o arrependimento. Depois de meia hora, que é o que leva mais ou menos a parte do caminho de areia e terra batida, reparei que já não o tinha. Merda!!
(os meus pensamentos envolvem sempre uma linguagem erudita) Tenho lá todos os contactos... mas está tanto calor, e se desistisse? Quero lá saber, tenho o telemóvel chunga com o cartão português e compro outro cartão moçambicano... Eh pá, mas tenho tantas mensagens naquele... e fotos... e... vou voltar atrás.
É impressionante como se torna palpável a indecisão quando se mistura calor com estradas de areia.
Fiz o caminho de novo, entre a pé e bicicleta com o máximo de atenção até ao Centro Comunitário. Quase uma hora. Nada. No caminho de regresso fui perguntando a toda a gente até que uns miúdos encheram-se de coragem e vieram-me dizer que tinham visto o Paíto a apanhá-lo.
- Então vamos lá a casa do Paíto.
Chimundo profundo, palhota em palhota à procura do Paíto que nunca vi na vida.
(Tudo tão pobre. Tão pobre.)
Até que o encontrámos! E… deu-me o telemóvel.

De volta ao caminho, bicicleta pela mão, já com uns vinte miúdos atrás, o corajoso que veio falar comigo no início:
- Tiveste sorte.
- também acho.
- outro negava-te.
- o quê?
- o celular.
- mas se era meu...
- as pessoas nos complicam o simples...

(Como te concordo...)

E posso ter demorado duas horas a mais, com tanto, tanto calor, por sítios que desconhecia, à procura do telemóvel. Mas ainda bem que me esforcei pela sorte.
Hoje decidi oferecer refrescos a algumas crianças que andaram à procura do Paíto comigo.
Há uns meses seria um dilema físico. Será que devo oferecer “doces” a crianças que poderão não ter hipóteses de “re-experimentar”?
Agora sei que é um claro: sim. Sem qualquer margem para a dúvida.
(estão muito mais interiores os dilemas que me envolvem)

O Jorge, o Edgar (da conversa) e o Sandro

Quando a abertura não é fácil...

segunda-feira, 22 de março de 2010

E os porquitos?

Falta meia-hora para chegar à Escola. Será que estará tudo pronto?
Venham connosco!


Lembram-se desta fotografia? Há uma semana mostrei-vos o lugar onde ficariam os porquinhos...

E...

Tcham-ram!! Ei-los!


Apresento-vos o G. e a PROIL (Relembro que GPROIL é o Grupo de Promoção de Iniciativas Locais dirigido pelo Binaisa). O G. tem de apelido Benfica e a PROIL Ferroviário (campeão nacional de futebol de Maputo). Não acham que é um bom presságio?

O Binaisa a observar atentamente o casal GPROIL


Apesar de ser Domingo algumas crianças da Escola não resistiram a ver o que se estava a passar.
Em qualquer inauguração por aqui segue-se um Ritual. É o Kuphalha (a pronúncia da palavra é semelhante ao estalos de língua do Xhosa Sul Africano e impronunciável para nós).
Uma bebida de melancia fermentada.

Será alcoólica?

Sem dúvida! Pelo menos pela expressão do Binaisa depois de ter bebido a primeira colher!
É a minha vez...

Amargo, espesso, fortíssimo!

E seguimos a tarde entre conversa e bebidas, em roda, à sombra de uma árvore, como qualquer ritual...

Falámos de passado e de como podemos mudar o nosso destino...


E o balde foi ficando vazio!

É altura do Binaisa, o Director e Directora Pedagógica seguirem felizes para o ritual seguinte:

Dar banho aos animais e à terra com a mesma bebida.
Fica o aviso: Se beberam não baptizem!


O G. Benfica mostrou ser muito veloz!

E a PROIL Ferroviário preferiu dificultar os gestos dando um passeio pelo jardim.
Mais uma vez, é com muita emoção que vos dizemos:

Kanimambo! Obrigada! Continuamos a oferecer... esperança.

(entre parênteses)

Tenho que partilhar convosco...
O caminho entre o Chibuto e a Escola de Banhel foi, como sempre, feito de Chapa. Eu tive sorte em conseguir um "lugar" mesmo atrás do condutor e encaixando pernas "uma minha, uma tua, uma minha, uma tua", com a pessoa à minha frente, até fui razoavelmente confortável...


... mas o Jossefa foi assim todo o caminho.

Gostava de vos mostrar como se deslocam só para ir trabalhar. Mais do que para dar valor ao que se tem por aí para sentirem o que se passa por cá. Todos os dias.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Dias com tempo

Centro Comunitário (parede pintada por voluntários da ONG)
Ultrapasso 2 meses com aquela leveza profunda de não me sentir a aproximar. Nem de um fim. Nem de um começo. Vivo entre balanços de terra e uma realidade que nem me permite inventar. Ofereço-a como a sinto. Como sei.
- Olhem, vêem esta imagem? É feita de história…
(e tiro-a do bolso com a esperança que consigam sentir o que estas mulheres levam à cabeça)
- E este som? Este cheiro? Esta urgência de guardar toda a água?
Sentem?
É entre fomes e exageros que se passam os meus dias entranhados nas vidas de cá. E se há momentos de silêncio outros quase me devoram em grito. Se uns me apagam pedaços de alma outros divertem-me o íntimo:
Em Maputo a pedir uma bica.
- Cheia, por favor.
(10 minutos depois)
- Desculpa, não vou poder lhe trazer. A máquina está a negar…
Como não desfazer-me num riso de dentro…?

Quer seja simples ou da maior complexidade, uma conversa, pessoa ou situação, por estes lados não existe meio-termo, esse tom aborrecido que nos leva ao desprazer.
Talvez por isso me sinta tão em casa.
Quotidianos,
Sentem?

Água... sempre a carregar água. E o pormenor gigante das capulanas: fazem parte do corpo e multiplicam-se em utilidades. Aqui nasce-se numa capulana, é-se transportado durante a infância e envolvido por uma na morte...





Quando se está triste...

Pensa-se noutra coisa. (Podíamos brincar?)

Aqui ou em outro qualquer lugar do mundo: onde há um espaço plano há duas balizas... (e treinadores de bancada!)

Tão quente, tão rápido, tão forte.


Em trabalhos manuais,

em felicidade por se estar a aprender.
O meu silêncio,




E os meus contrastes.

Café do Chibuto

e em Maputo...
E é como vivo por cá. Cada momento com as minhas histórias dentro.

terça-feira, 16 de março de 2010

Efeito Borboleta IV

Entrei na primeira casa. Depois continuei.
Quase vos pode parecer natural. Não fosse essa primeira porta de casa… feita de vulnerabilidade.
E hesitei. Pensei. E hesitei. Enchi-me de desculpas daquelas que despem a culpa. Não preciso ver, se calhar nem sentir, posso até fingir. É isso posso fingir. E não faria mal.
Só que fui dando outro passo, encostada à fragilidade do desalento, mas avançando. E foi neste prolongamento que me apercebi que é ao insistirmos o passo, despindo cada pormenor que oculte o nosso medo mais íntimo, que nos apercebemos da força de uma ideia. Não a ideia suportada pela novidade mas a que nos nasce das vísceras.

Mas ordeno-vos os acontecimentos de forma mais linear, para que não se percam no que me vai viajando por dentro:

Conheci primeiro a Rute que me levou à Reencontro. Esta Associação já existe desde 2004 aqui no Chibuto. Apoiam directamente crianças órfãs (de pai, mãe ou de ambos) fazendo visitas ao domicílio, encaminhando para a escola, para o hospital, ensinando cuidados básicos de higiene... porque não têm instalações para as acolher por falta de capacidade financeira. Mas têm um escritório (uma casa cedida por uma família) onde fazem trabalhos de costura, principalmente uniformes para a escola, bolos e utensílios básicos para venda. Mas a única máquina de costura estragou-se. Deixaram de poder comprar mais tecido... simplesmente não têm forma de gerar rendimento e continuam a existir apenas por ajudas externas que aparecem ocasionalmente ou porque os 18 voluntários (aqui chamam-nos activistas) que trabalham nesta associação não desistem de trabalhar. Continuam a tentar. É impressionante.

As crianças que me refiro e que esta associação apoia como pode, são do Chibuto e Chimundo e perfazem um total de 608 orfãos, entre os 2 e os 16 anos.

O que proponho, e continuo numa escrita muito descrita para não vos mergulhar no meu interior, depois de muito conversar com eles, ter visto as instalações, feito visitas às casas de algumas famílias (como poderia apenas conhecer uma?) saber o que têm habilitações para fazer e quais os seus objectivos futuros é o seguinte:

Comprar uma máquina de costura e dois rolos de tecido para as calças, saias e camisas. Duas das voluntárias têm formação em Alfaiataria e já fizeram este trabalho de costura de uniformes, como vos disse.
Uma máquina custa aproximadamente 125 euros, o rolo de tecido para as calças e saias custa 75 euros e para as camisas 62 euros, o que perfaz um total de 262 euros.
Com a venda dos uniformes gera-se rendimento que se investe em mais máquinas e tecido ou noutros materiais necessários de forma a ser possível começar a criar condições mais palpáveis de apoio a estas crianças (cesta de alimentos mensal, redes mosquiteiras, material escolar e medicamentos). Tal como nos outros projectos, antes de vos expor a história orientei um grupo de pessoas para que se desse o primeiro passo. Que já vai ser dado. A diferença é que para este Efeito Borboleta não vou encostar qualquer porta. Enquanto cá estiver orientarei a ajuda que quiserem dar.
Foi isso que descobri ao abrir a porta de casa da primeira família. Há alturas em que uma ideia é tão forte que nos apaga a fragilidade e com a mesma simplicidade nos avança.

Uma reunião com alguns activistas da Reencontro (na casa escritório da associação)

O Edmundo é quem trabalha no campo e dá a conhecer as necessidades básicas da comunidade à Reencontro

Alguns trabalhos de costura


... e bolos. Para venda. Confesso que experimentei e estavam deliciosos. Podem não acreditar mas um é feito de batata doce e outro de mandioca...

A primeira casa, de uma das famílias que a Reencontro apoia, que visitei.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Work in Progress

Efeito Borboleta I – Porcos:

Nunca vou entender os meandros da burocracia…
- O quê? Não têm o papel assinado?
(na Direcção Distrital de Educação)
Mas não lhes digo isto de forma séria ou agressiva, acrescento exagero aos gestos, teatralizo a cena até atingir o melodrama mais íntimo… e, desde o guarda a toda a secretaria, lá me vão avisando diariamente:
- Ainda não, ainda não… prevê-se talvez para o amanhã…
Eu digo um declamado “Oh não, só me dão esse talvez?” e rolamo-nos em gargalhadas.
E depois de ter saído com a mochila cheia de 12 “talvezes”…
Voilà!

E é logo no dia seguinte, dentro de um chapa com o Jossefa (membro da GPROIL) que zarpamos rumo à nova Escola. Como qualquer bom plano deve ser mudado com a maior das facilidades: da inicial ideia de Escola Secundária decidiu-se começar por uma das Primárias. Os motivos dispersam-se entre religiões, tradições e confusões e quando isso acontece o melhor é simplificar. Contornam-se as dores de cabeça e preparam-se os terrenos. E talvez um dia os porquinhos atinjam estudos mais superiores, quem sabe?

O Director da Escola e a Directora Pedagógica. Apesar de muito felizes, não consigo tirar-lhes a seriedade no momento das fotos. Ao contrário de mim, acham que o momento deve ser mostrado com a maior das solenidades. Respeito-lhes a razão. Eu é que não me sei comportar.

É precisamente neste lugar, com as salas de aula como pano de fundo que espero, daqui a aproximadamente uma semana, apresentar-vos o primeiro casal de porquitos.


A Escola tem um furo de água. Eu sei que parece apenas um pormenor mas na realidade de cá é da maior importância.


E passo já para o Efeito Borboleta II, os Pintos no Centro Comunitário!


Irmã Catarina (directora do Centro)

E aqui só posso calar palavras... Vêem este sorriso? É que a vossa ajuda não ofereceu apenas pintos... ofereceu esperança.


Acabados de instalar. Tudo correu às mil maravilhas, 100 pintos sem necessidades de reanimação! Têm medicamentos, ração e dedicação. Acho que os ingredientes certos para que atinjam um amanhã.



Kanimambo! Obrigada! Tenho a certeza que demos um grande passo! Vou continuando a contar-vos cada evolução.
Divirtam-se! Aproveitem os dias.