quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Efeito Borboleta II

Vão achar-me louca…
Comecei com porcos e agora vou passar a…

Tam taram tam tam… rufos, batuques e batimento de pés…

PINTOS!
(delicio-me só de pensar que ando a fazer mesmo o que gosto: mão na massa, cabeça no sonho e pés bem dentro da terra)
A ideia começou quando me vi a ressuscitar pintos, ou então quando comecei a trabalhar no Centro Comunitário e vivi aqueles momentos de silêncio, ou então a ideia não começou, foi-se começando. Com a simplicidade que nasce uma ideia feita de realidade.
O Centro Comunitário é ajudado pela ONG e voluntários, idealitários e pessoas de coração. E já cresceu muito. Começou por ser uma Escolinha debaixo de um Cajueiro e já tem instalações, materiais, livros… além de ar, terra, movimento.
Mas há factos que assustam:
a alimentação insuficiente das crianças;
a falta de remuneração a auxiliares e monitores que possam cuidar das crianças física e criativamente.

Algumas dezenas de euros eram suficientes para distrair a falha, que permaneceria sem solução, iludida apenas, impassível a generosidades. O que não deixa de ser muito bom… quando não podemos procurar o MAS. Há quase sempre um MAS escondido em possibilidades.
E neste caso esconde-se na capoeira… do Centro Comunitário. Sem dinheiro para comprar muitos pintos costumam arriscar uns de melhor "qualidade" mas que vêm de Maputo e chegam cá estoirados e meio mortos pelo calor (como já viram).
E se nos vestíssemos com as nossas melhores penas e abraçássemos uns pintos? Transportamo-los com cuidados de mãe galinha, tratamos e alimentamos bem os bichos (nunca a canja de galinha!!) e, diz quem sabe, consegue-se aproximadamente num mês, vender os frangos. Se correr bem dá lucro para reinvestir em mais pintos e, claro, melhorar e diversificar a alimentação das crianças do Centro (mais ou menos 40). Num futuro, porque nunca se deve cortar a asa ao sonho, poderia contribuir também para o pagamento dos monitores.

Há uma diferença abismal em relação ao Efeito Borboleta I: dada a enorme solidariedade demonstrada, para este projecto avancei apenas com algumas pessoas (que já contactei!), o que considerei razoável para dar o primeiro passo. Continua a haver muitas a quem ainda não fiz de ponte…
Mas proponho o seguinte: com os 200 euros que já se juntaram só para este projecto compramos 100 pintos, ração, medicamentos e transporte. Dependendo como corre contactarei por mail as pessoas que já mostraram interesse em ajudar e estão apenas em “standby” para saber se estarão interessadas em continuar este efeito borboleta II, ou outros.
Por enquanto este projecto já tem asas para andar. Vou mostrando como corre… quem sabe não podemos continuar?

Ajudar por ajudar, dar – dar o peixe! – pode ser tão bom (como ensinar a pescar se não há peixe? Se não se conhece o sabor do peixe?). Mas acredito que se conseguirmos tornar sustentável a ajuda, alcançaremos a dignidade que todos no mundo merecem: não depender para sempre da generosidade de outros e poderem um dia tornar-se generosos. Para mim, a melhor forma de chegar à transparência.


A primeira sala de aula e onde dou as aulas de Educação Física



Como é actualmente o Centro Comunitário



A capoeira e a suave Danila

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Palavras d`Alma

Num "café" no Chibuto

Estou de volta. Ao meu Chibuto.
E surpreendo-me sempre.

Em Maputo, enquanto me imaginava a alimentar à urso polar em vésperas de hibernação (mas ao contrário) alimentei-me… de palavras… e pessoas. Receberam-me em casa como se fosse amiga de sempre e levaram-me a comer poesia.
Comi palavras.
E música.
E acaso.
Conheci um poeta tão novo que a novidade dos seus pensamentos foi-me oferecida em forma de letras. “Palavras d´alma” é escrito pelos interiores do Altino. E guardo a esperança de nos continuarmos em escritas.
Conheci um poeta tão velho que a antiguidade dos seus pensamentos foi-me oferecida sem forma. Não é velho de idade. Tem os anos de ser a pessoa que tem mais Moçambique dentro. E que teve a generosidade de me dar um pouco de si, dos seus interiores de terra literária. Guardo-me em esperanças de nos continuarmos sem tempo.

Estou de volta. Ao meu Chibuto.
E surpreendo-me sempre.
Com o cheiro, a voz, o calor e os gestos deste lugar.
O aconchego de quem volta a casa.
Sinto-me mesmo bem-vinda no nosso Mundo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Verdade


Como me vejo nos próximos dias:
A abraçar pacotes de bolachas, rissóis de camarão e chocolates Cadbury e Milka e Nestlé; a mergulhar numa piscina de galões de máquina e bicas cheias; a secar-me em fatias de pão saloio cortado grosseiramente, enquanto me empanturro de azeitonas e vejo se consigo que os caroços cheguem o mais longe possível (sou menina, não é? Está bem, atiro-os com a mão)… e não estranho o pensamento.
Porque tenho toda a razão dentro do ser.
Porque vou a Maputo.
(vou a Maputo!)

E podia fingir que não vou de Chapa, que não está calor, que não são 7 horas de viagem. Que posso escolher o lugar, evitar pernas e braços a atravessarem-me as frentes, e o calor, já falei no calor? Que não vai parar de 5 em 5 minutos para entrar mais gente, porque não cabem, ou então cabem, pois… cabem. Mas não posso, são tudo imagens reais, quase jurava com cruzes e dedos e mais juras que são verdadeiras e que é precisamente o que me vai acontecer. E acrescento que vou ficar com bigodes de leite e café até voltar ao Chibuto, como memória pintada de um tempo tão áureo.

Não vou fingir. Porque se fingisse uma unha que fosse, o que tenho vivido desabava por abafo.

E a tempestade que vivi ontem não tinha sido tão avassaladora, não me teria apercebido que os relâmpagos por aqui caem na vertical, maiores do que o som, maiores do que a imagem que cabe nos olhos. Que o simples facto de ter chovido após duas semanas de um calor sufocante nos pode causar uma felicidade comovente; Não me apercebia que enquanto viajo de Chapa posso concentrar-me na enorme vida das pessoas de dentro ou inclinar-me para fora, o mais que puder, e ensurdecer-me com o vento; Não aproveitava este desejo alucinado de comer, de saborear o conhecido, elevado aos quadrados, cubos e exageros apenas por estar a viver o outro lado do mesmo mundo.

Não posso fingir que ontem, enquanto tirava baldes de água, com água pelos tornozelos, dentro de casa, não me rendi à enormidade deste continente. E que quando desisti de lutar contra a força inevitável, quando me fui deitar, não foi um simples fechar de olhos.
Era como se estivesse a descansar-me do espanto.

(este fim-de-semana, quando tiver uma bebida na mão da noite, em Maputo, partilharei convosco o meu brinde. À nossa... vida. tchim-tchim).

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Efeito Borboleta I

Desenho de Pedro Madeira Pinto, um grande amigo.
Lembram-se do projecto inicial? É agora: está na altura de começar…
Vamos lá arregaçar as mangas e agir. Cada um como puder e se quiser. Eu vou ser apenas a ponte. Conto a história, da forma que sei, que sinto e nunca de ânimo leve; quem a lê… faz o que entender. O objectivo é dar o primeiro empurrão, dar a mão, ajudar no lançamento… ter influência num caminho.
Vou começar pelo fim:
E se eu vos dissesse que este rapaz apenas precisa de dois porcos para iniciar um projecto sustentável que pode mudar muitas vidas?
É um de muitos projectos que englobam o sonho possível de uma associação (GPROIL – Grupo de Promoção de Iniciativas Locais) formada recentemente pelo Binaisa, um jovem de 28 anos, com uma visão impressionante das possibilidades do futuro.
As conversas foram fluindo ao longo deste mês e fui conhecendo uma pessoa inspiradora. Tem sonhos, ideias e vontade de mudar a realidade moçambicana. E vai conseguir. Tenho a certeza.
- As crianças alimentam-se de forma tão deficiente, como se vão educar, Clara?
Não respondo quando não sei o que dizer, fecho-me em mim, transformando-me em ouvidos.
– Temos que criar uma linha de valores, descobrir as capacidades das nossas crianças, quais os seus talentos. Depois orientá-las. Ajudá-las a melhorarem as suas possibilidades de vida.
O Binaisa, um rapaz de uma simplicidade encantadora, que lutou sozinho contra dificuldades básicas, contra a falta de informação, contra a fome, que trabalhou em tudo, que dá voz à rádio local, que não desiste do sonho de um dia entrar para a Universidade para estudar Língua Portuguesa, acima de tudo acredita que é através da cultura, do desporto e do empreendedorismo que se vai conseguir um dia mudar o destino de Moçambique e tem o objectivo final de criar um Centro Cultural no Chibuto que englobe estas três áreas. É uma inspiração, uma prova de força e de coragem. É um privilégio conhecer pessoas assim.
Mas é prático.
Num lugar em que a desesperança de futuro é assustadora, sabe que primeiro tem que se mostrar às pessoas que é possível ter iniciativa.
­- Começa-se pela base mas com a intenção de mostrar o processo.
E eu explico-vos. É tão simples.
As crianças têm fome, precisam de uma alimentação mais proteica. É tão flagrante e real este problema que o que vos pode parecer ter uma proporção mínima pode fazer uma diferença abismal. As Escolas têm uma disciplina de Agro-pecuária mas sem condições de funcionamento. O projecto inicial seria colocar dois porcos na Escola Secundária, ensinar às crianças todo o processo de tratamento, alimentação e reprodução (têm professores qualificados), quando houver condições mínimas criar um pequeno talho, vender a carne, melhorar a alimentação das crianças, criar rendimento. Continuar o ciclo. Neste pequeno (grande) projecto está a cadeia de valores inteira que querem transmitir aos jovens. Mas precisam do primeiro empurrão.

Um casal de porcos custa aproximadamente 50 euros, incluindo a ração. Se com a vossa ajuda conseguirmos este valor, responsabilizo-me a ir com o Binaisa comprá-los e acompanhar todo o processo com textos e fotografias aqui neste espaço.

Enviarei por mail aos interessados todas as informações necessárias para finalizarem a ajuda e pormenores mais detalhados sobre o Binaisa e a GPROIL. Nestas histórias eu só vou ajudar a dar o primeiro passo, tudo o que ultrapasse essa ajuda darei o contacto directo das pessoas em questão.

É só dar a mão. Ajudamos a dá-la?

(este é um projecto pessoal, sem organizações a apoiar. É apenas fruto de uma decisão minha: não ficar de braços cruzados a ouvir histórias, a conhecer pessoas inspiradoras, a ver necessidades e não agir. Acredito mesmo que devemos fazer pelo mundo o que queremos que ele seja. E podemos fazer muito para torná-lo num lugar com mais humanidade)

Binaisa

Alguns membros da GPROIL (Grupo de Promoção de Iniciativas Locais)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Como se fecha um mês?

Com balanços, retrospectivas, correcções e palpitações? Pega-se em papel e escreve-se, escreve-se, escreve-se. Mas só letras. A imitar conteúdos. E eu… não quero. Desagrada-me esse gosto amargo do pensamento abandonado em folhas, quase morto, obrigado a ser.
Podia abrir o peito e mostrar-vos como vou de vida. De dentro para fora como deve ser mostrada a vida. Mas deve doer.
Podia não resumir, não balançar… evitava enjoos ou desagrados. Mas deve doer ainda mais, isso de ficar fechada em mim.
Vou partilhar instantes. Os intervalos das histórias e mergulhos e delírios que já conhecem. Sem forma de resumo. Apenas instantes. Com a brevidade de terem um mundo dentro.




A curiosidade de um “prego no prato”. Nada mais fácil. Quer no prato, traz-se o prato! Complicamos demais.


Clara vs Escorpião.
Eu: sentada na sanita (sim, eu também…), ouço um barulho, mesmo por trás das costas, um balde mínimo a cair, a minha mão dentro do balde, um escorpião lá dentro.
Ele: No telhado de uma casa no campo, a curtir e…. caio num balde minúsculo e não numas costas, vejo uma mão branca e não aproveito.
Eu: que nojo!
Ele: que nojo!
Eu: Sou um animal de sorte.
Ele: Desisto de ser animal.
Mas vive agora no terreno aqui da frente. Suponho que a fazer terapia.




Aquele é um canto do meu quarto. Aquele é também um morcego. Não lhe dei nome, não quero apegar-me demasiado.




Ainda bem que me dediquei à ginástica rítmica. Arcos e bolas ainda vá, armas de fogo… como é que se pega nisto?



Qual apostam que é a “minha”? A profissional com mudanças, orientada na perfeição ou a rasca com o cesto, encostada às sortes e acasos?




E há o lidar com a morte. Os falecimentos são diários e sentidos na comunidade. É talvez a minha experiência mais pesada, com as maiores histórias de sempre. Sabem… guiei uma carrinha de caixa aberta... para um funeral. Sim, fui eu que guiei o carro. Não me sabia capaz. Não imaginei medos ou constrangimentos. Senti-me totalmente integrada na vida. Nem triste, nem feliz. Só completa. Foi cruamente natural.



Os maiores do mundo:
porque me enchem a alma,



porque transportam bonecos em capulanas,


e porque são mesmo gigantes.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Sem sombra de dúvida


De corpo e alma integrada na terra permito que me caiam pedaços. Não os apanho, não me desvio. Planto-me. Na esperança íntima de aperfeiçoamento.

Hoje lanço-vos um desafio: quebrem o sabor da corrente! Entreguem-se a uma vontade. Concentrem-se nela, como se quisessem habituar a vossa alma ao recorte das vossas escolhas.
Pode ser no acto mais banal. A beber uma cerveja fresca, um café, a tomar duche. Pode ser numa vontade mais criativa. Num pormenor. Num gesto de todos os dias ou no que aguardavam há muito. Apreciem esse curto momento, concentrem-se nas sensações que provoca, aproveitem-no.
Guardem-no enquanto o fazem. E depois… depois, se quiserem, partilhem-no aqui. Eu gostava…

Ter consciência de um acto, apercebermo-nos de nós, pode dar-nos uma satisfação profunda, não acham? Para mim é uma das formas de chegar à ideia mais pura: a da liberdade criativa. E seguindo apenas a força da vontade.

É assim que tenho absorvido estes dias. Inteira. Sem negar a sombra… ou a dúvida.

(Juro que não bati com a cabeça em nenhuma rocha da praia de Xai Xai… estes vestígios de “manual” Carpe Diem devem-se mais ao estar num canto quente do Sul do Mundo e ao valor que, cada vez mais, dou às coisas simples)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Até já!

Vou só ali ao Índico e já volto!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Espaço entre os dias

Imaginem-me com mil e um repelentes a embaciar-me as criatividades mas a proteger-me – espero! – de uma personagem musical que inventei. De famosa pulga maldita passei a cantar para todo o sempre: Ou ela chora, ou ela grita, ou vai-se embora, mosquita MALDITAAAAA!! Como não confio totalmente nem nos meus “DÓ, RÉ, MIs” para afinar a voz, nem nos efeitos terciários da profilaxia, encharco-me em repelente para intimidar a malária.
Penso mesmo em rasgar um trapinho vermelho de uma T-Shirt (nunca, mas nunca em tempo algum de uma T-shirt que me lembrasse o meu Benfica, há limites emocionais que não devemos ultrapassar!) e sempre que passar um esvoaçante com ar intimidador, eu:
- Olé! Olé, Mosquita!
- Hei, mosquitinha, vem cá….. OOOOOOléeeeee!
Escaparei à Maldita.

(Isto tudo dever-se-á ao repelente ou sempre fui assim e ando a arranjar desculpas vãs?)

Bem… estou aqui a escrever, em casa, envolta no tal nevoeiro de DEET 30% enquanto a minha querida Marieta varre a sala. Num instinto levanto as pernas.
- Se me varrer os pés não caso!
Espera, ter-me-ei ouvido bem? Não caso? Eu? E desde quando isso me afecta os movimentos? Mas lá está: a “culturalidade” entranhada a toldar-nos a razão. Está dito, está dito, e eu encontro-me neste momento em pleno esforço abdominal com a Marieta incrédula a olhar-me.
- Mana Clara, estás confortável?
Tento explicar… Sabe, em Portugal e tal, dizem que dá azar que nos varram os pés, porque isto e aquilo e umas invenções paralelas.
- E Portugal… fica longe?
- Muito.
- iiiiiiiih… Então não te preocupes que a má sorte morre antes de lá chegar.
Baixo os pés e rendo-me.
Aos meus dias. Vividos em poesias.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Foto - grafias


Estou no mercado. Sábado de manhã. Cheio de gente. Calor suportável. E uma vontade enorme de fotografar.
Demasiado invasivo… ainda… Demasiado exposto… ainda… Guardo essa vontade, com esforço hercúleo, no saco plástico que trago na mão.

Descrição breve:
Corn flakes, um pacote de leite gordo (o único pacote existente que encontrei no meio das farinhas e que vai rapidamente substituir o leite em pó!), bolachas Maria, um sumo concentrado que dá para 30 copos e um queijo às fatias muito mau mas muito bom.

Destino e Duração: Matabicho e lanche. Uma semana.

O saco desfaz-se com o peso magro das minhas compras, como se levasse só ossos que se espetam e rasgam o plástico preto de pele fina. Vejo uma banca de mangas e não corro. Ninguém corre aqui, não quero sobressair mais ainda. Normalmente tropeço ou vou contra qualquer coisa, não, é melhor não. Mangas… tenho comido, são tão doces. Mas não corro. Sabem… não corro, posso cair…e pode desfazer-se o saco… Sou a única que tem um saco na mão.
Todos estão carregadíssimos, ninguém vai de mãos livres. Mas carregam água. Crianças e mulheres, sobretudo. Carregam água à cabeça e concentram-se no caminho sem fim, como são os caminhos de cá. Poucos transportam legumes, alguns levam raízes que desconheço e as mangas são consumidas no local. É o que faço. Peço duas e sento-me, com o saco desistente numa sombra.

Foto(cali)grafias:

Como a primeira manga com o sumo a descer-me até aos cotovelos. Sorrio para os que me sorriem mostrando os fios amarelos entre os dentes. Saco algumas gargalhadas.

Lambo os dedos. Lambo as mãos. Já não lambo os braços porque penso na minha mãe. Hei-de secar.

Escrevo as minhas fotografias num caderno manchado de fruta e com o lápis a iludir-se de tinta:
“Temos materiais para diversos fins”, fotoescrevo.
“Barbearia Salão: Sai feito”
“Temos promoção. Entre para ver perto”
E a surpresa de um rosto, um aperto de mão, dois rapazes abraçados numa amizade que ultrapassa mundos, a introversão daquelas mulheres a um canto, a espera infinita de algo que não sei…

A terra está-me quente nos pés, por baixo dos chinelos… ao lado dos chinelos… já sem chinelos.
Não podia estar noutro lugar. Não podia.
Guardo a minha máquina-papel e caminho para casa. Sinto o peso pesado do saco. Deve ser do cheiro da terra, das pessoas, da minha felicidade. Está cheio de fotografias. Que vos ofereço.
(acho que é verdade)