quinta-feira, 25 de março de 2010

Sorte

Há dias que insistem em testar-nos. De insignificâncias crescem até ao limite do cansaço, da surpresa, de uma certeza: vou ter saudades de cá.
Ontem quando ia a sair do Centro Comunitário pus o telemóvel no bolso com a certeza que me ia cair mas a ignorar a sensação atirei-me para o caminho de bicicleta de volta ao Chibuto. Raramente acontece mas às vezes ignoro a certeza do meu instinto. Normalmente não evito o arrependimento. Depois de meia hora, que é o que leva mais ou menos a parte do caminho de areia e terra batida, reparei que já não o tinha. Merda!!
(os meus pensamentos envolvem sempre uma linguagem erudita) Tenho lá todos os contactos... mas está tanto calor, e se desistisse? Quero lá saber, tenho o telemóvel chunga com o cartão português e compro outro cartão moçambicano... Eh pá, mas tenho tantas mensagens naquele... e fotos... e... vou voltar atrás.
É impressionante como se torna palpável a indecisão quando se mistura calor com estradas de areia.
Fiz o caminho de novo, entre a pé e bicicleta com o máximo de atenção até ao Centro Comunitário. Quase uma hora. Nada. No caminho de regresso fui perguntando a toda a gente até que uns miúdos encheram-se de coragem e vieram-me dizer que tinham visto o Paíto a apanhá-lo.
- Então vamos lá a casa do Paíto.
Chimundo profundo, palhota em palhota à procura do Paíto que nunca vi na vida.
(Tudo tão pobre. Tão pobre.)
Até que o encontrámos! E… deu-me o telemóvel.

De volta ao caminho, bicicleta pela mão, já com uns vinte miúdos atrás, o corajoso que veio falar comigo no início:
- Tiveste sorte.
- também acho.
- outro negava-te.
- o quê?
- o celular.
- mas se era meu...
- as pessoas nos complicam o simples...

(Como te concordo...)

E posso ter demorado duas horas a mais, com tanto, tanto calor, por sítios que desconhecia, à procura do telemóvel. Mas ainda bem que me esforcei pela sorte.
Hoje decidi oferecer refrescos a algumas crianças que andaram à procura do Paíto comigo.
Há uns meses seria um dilema físico. Será que devo oferecer “doces” a crianças que poderão não ter hipóteses de “re-experimentar”?
Agora sei que é um claro: sim. Sem qualquer margem para a dúvida.
(estão muito mais interiores os dilemas que me envolvem)

O Jorge, o Edgar (da conversa) e o Sandro

Quando a abertura não é fácil...

11 comentários:

  1. Há sortes que realmente dão muito
    trabalhinho !
    Mãe

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  2. Estás a vêr como os "primeiros feelings" sobre qualquer coisa, quase sempre estão certos? Tu tiveste a sensação que ías deixar cair o telemóvel, mas mesmo assim...
    Isto acontece tantas vezes. Há sempre um aviso, nós ou ignorámo-lo ou não estamos atentas o suficiente!

    Ainda bem que"os menino" foram queridos, simpáticos (gostaram de ti, de certeza).
    Não conhecem ainda a "engrenagem" da maldade!

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  3. :) valeu mesmo a pena não teres ligado ao teu feeling!
    Conheceste meninos curiosos e amigos (como acredito que são todos) e ficaste com + uma história para nos contar :) Obrigada! E as fotografias estão deliciosas :)
    Continua a aproveitar os dias, muito! Beijinhos grandes!

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  4. Pois eu ia dizer o mesmo que a tua Mãe. Antecipou-se.
    De qualquer forma, continuo a dizer-te que nasceste de rabinho virado para a Lua... A expressão é feiita, mas paciência..
    Sim, porque não me esqueço que nunca arranjo lugar para o carro, e tu tens sempre um , mesmo mesmo no sítio que queres. Que rrraaiiiva...
    Beijinhos

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  5. Prima Clrinha
    Já sei o que quer dizer voluntário e solidário.
    Eu tenho um mealheiro com moedas, para comprar gelados no fim de semana. Vou mandar algumas, para ajudar os teus meninos. Adorei o teu blog.
    Muitos Beijinhos
    Rita

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  6. Que sorte teres perdido o "celular". Para ti porque conheceste novos amigos e diferentes formas de percepcionar a realidade. Para eles pois puderam beneficiar também da tua nova forma de percepcionar a realidade (coca-cola sempre a sorrir). Todos ganharam e em particular devido à tua "excelente forma física" que permitiu uma vez mais "enriquecer" e tua alma.
    Quando leio as tuas histórias já me sinto integrada nesse meio ambiente (vaidade de ignorante), conseguindo imaginar recantos, sorrisos, angústia (de certo que existe) e o toque suave da humanidade que caracteriza os teus contactos.
    E mais uma vez envio um beijão (tenho ainda tantos para enviar) e todo o apoio que à distância é possível dar.
    Até breve
    Manel

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  7. Os nossos instintos não falham, felizmente o teu carro tens de ir lá com a chave para o fechar, porque com o da minha mãe que é com o botão, quantas vezes já voltei para trás, e estava sempre fechado, mas é até ao dia. Foi como contigo, decidiste ignorar, pronto, tinha de ser o dia ;) Mas apesar do suor todo, foi compensado =)

    Beijinhos, Prima Rosa

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  8. Mãe:
    Muito trabalhinho mesmo! Normalmente compensa!

    Lurdes:
    Se um animal pressente o perigo... foge. E talvez sobreviva. Nós temos o raciocínio e tantas regras de educação a abafar-nos o instinto que às vezes ignoramos o básico. Desta vez foi simplesmente material, não seria grave. O problema é quando ignoramos outros instintos...
    Muitos beijos

    Inês:
    Eh pá! Todos serem amigos... parece-me exagero, priminha! eheheh! Mas que se aprende com todos... sem dúvida! Foi uma grande experiência!

    Céu:
    apesar dos vários azares que já tive... é verdade, tenho sorte. Essa do carro é mesmo um exagero!!! E não me dá trabalho nenhum. O trabalho que as outras sortes dão enchem-nas também de sabor.

    Ritinha:
    Já sabes ler e escrever!!? Então eu devo ter para aí uns 100 anos!!! Agora tens um mundo pela frente... aproveita!
    Fiquei muito sensibilizada com o que fizeste... mas não te esqueças que não tens culpa, está bem? (os crescidos hão-de acabar por resolver estes problemas)
    Um beijo grande

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  9. Manel:
    A propósito da minha "excelente forma física": estou a pensar entrar no Tour... Volta a França aqui vou eu!! E não há Lance Armstrong que me derrube! ehehe! Quando vos for visitar à escola não estranhem o movimento cíclico das minhas pernas... Já não sei andar de outra forma!!
    Beijão também para ti.
    (quer à distância quer "à presença" dás-me sempre o máximo apoio! Obrigada.)

    Rosa:
    Desde que não faças como eu: que mesmo assim deixo esse mesmo carro fechado com a chave lá dentro e tenho que o assaltar partindo o vidro de trás com um tijolo... enfim, só filmes!!
    Boas conduções! Diverte-te!
    Beijinhos

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  10. Interessante não é? Penso que quando damos atenção aos nossos sinais de alarme, as coisas previstas não acontecem e esquecemos; quando não ligamos, então lembramos. No entanto, fica muitas vezes a impressão de que somos avisados e ao mesmo tempo programados para não ligar; outras vezes somos compelidos a fazer coisas que mais tarde nos interrogamos que forças poderosas nos moveram naquela direcção.

    Mas o que fica disto tudo é esta coleção de sorrisos e alegrias e o teu ar de grande bem-estar, físico e anímico!

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  11. Alf!!!
    Mas o que fica de tudo isto é que já tinha saudades tuas!! Senti-te a ausência! Bem-vindo de volta. Fazes-me sempre pensar. Adoro.
    Beijos

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