quinta-feira, 1 de abril de 2010

Reencontro - Efeito Borboleta IV

Apago e escrevo, reapago rescrevo… ando nisto há meia hora e não me agrada… fico, até, à beira da irritação, um pequeno desequilíbrio e já está: não há palavras, nem texto, nem uma letra sequer, nada. Mostro umas fotos e pronto. A sensação é conhecida. Quando vivi na praia do Baleal, quando andei pelos Açores, quando passei pela Polinésia. Tão bonito, tão cheio, tão transcendente que temia mergulhar na escrita demasiado colorida, no piroso… Agora. Aqui. Nas vidas da Reencontro. Escrevo a tristeza. E temo a lamechice desenquadrada, o cair na pena fácil, na lágrima que se esquece. Não é justo, nem digno.


(em momento meditativo)

Talvez tenha descoberto uma forma. Para variar preciso da vossa ajuda. Neste caso é na postura que assumem ao ler. Dispam os casacos de sentir pena e da palavra “coitadinhos" entranhem aquela força de querer, a de luta pela mudança. Posso confiar? Então…

Sentei-me com a Rute no alpendre cá de casa. Duas cadeiras no chão vazio. Sei que sou pessoa mas depois do que vi nalgumas casas, naquelas famílias, diminui-me o género humano. Transformo-me quase em coisa. Estamos sentadas mas não consigo falar. Só tenho que lhe dizer que conseguimos dinheiro para comprar duas máquinas, os rolos de tecido, tesouras, linhas, agulhas, o transporte de Maputo. Mas. Não consigo falar. Lembro-me dos três irmãos que vivem sozinhos numa palhota aqui tão perto. Não vão à Escola, não vão ao hospital buscar os medicamentos (são seropositivos), mal comem, mal se lavam, mal se mexem. Porque ninguém os orienta. E porque têm dois, quatro e sete anos.
- Rute. Conseguimos.
Recebo um abraço só de silêncio.
- Conseguimos.
A Reencontro tenta apoiar 608 crianças órfãs, como sabem. E as histórias são todas deste tamanho. Não consigo não estar envolvida de corpo e alma neste projecto. Toca-me e desarma-me. Tira-me o que sou e obriga-me a ser mais. Sei que estas histórias não têm geografias, que existem ao nosso lado ou no fim do mundo, nada as torna especiais por serem longe. O que as torna especiais é existirem. Quando nunca deviam sequer ser um sopro.
Não tenho pretensões ou ilusões de que com este acto mudámos o mundo. Mas tenho a certeza que ajudámos a dar um passo para que estas pessoas possam trabalhar e lutar para mudar algumas vidas. Vão conseguir.

- Clarinha, levei aquelas crianças para Xai Xai. Estão a viver desde hoje numa casa de acolhimento.
(como sabias no que estava a pensar?)
A de 4 anos levou-a pela mão até ao quarto.
- É a minha cama.
Há grandezas que merecem apresentação.

Continuamos as duas sentadas no alpendre. Duas cadeiras, sós num chão. Já tão cheio.
A casa/escritório da Reencontro, no Chimundo.

O primeiro passo!

Uma máquina de costura manual

e outra manual e eléctrica (e os rolos de tecido!!)

Kanimambo! Obrigada!

Ainda temos algum dinheiro para ajudar a Reencontro. Durante a próxima semana vamos comprar mais materiais que permitam geração de rendimento para esta associação, sempre no sentido de se tornarem auto-sustentáveis.
Percebem? Não mergulhem na pena. Tenham noção da ajuda que deram.

10 comentários:

  1. Clarinha,
    Aqui não há pena, mas sim ORGULHO, ALEGRIA, FORÇA, por tudo aquilo que fazes!
    Bjs

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  2. A Lurdes tirou-me as palavras e roubou-me o comentário.
    Obrigado pela sua partilha.

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  3. Fiquei muito contente por tudo o que o Reencontro já conseguiu fazer.
    Parabéns!

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  4. Estou de alma e coração com a Reencontro, muito feliz pelas suas vitórias, e tuas e nossas um bocadinho...
    Beijinhos

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  5. A Reencontro será capaz de continuar a ajudar
    essas crianças. É uma obra notável e que exige
    muito esforço e dedicação. Dou os parabéns
    à Rute e a todos os activistas da Associação,
    pelo seu trabalho e dedicação. O meu agradecimento é extensivo a todos os amigos portugueses que souberam "Voar".
    Sei que estás verdadeiramente feliz.
    A Reencontro vai conseguir !
    Mãe

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  6. Pela tua coragem, pela tua força interior, pela dádiva e entrega ao bem comum que te caracterizam, não tenho dúvidas que vais ganhar a maior e, porventura, uma das mais nobres competições da tua vida para além daquelas que vencets quando eras uma talentosa ginasta.
    Eu sei que vais vencê-la. Eu tenho a certeza que o REENCONTRO vai ser uma grande obra de solidariedade humana à qual estás a dar o teu melhor.
    Força Clara. Parabéns.
    Álvaro

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  7. Estou de volta!Entre férias e trabalho não me tem sido possível escrever. Tenho lido e acompanhado todos os momentos e sinto-me feliz por tudo o que tens feito, tudo o que tens movido e em tão pouco tempo.Ao ler-te relembrei a história de 2 meninos, de 4 e 6 anos, que aqui na Damaia foram abandonados na rua há alguns anos.As histórias repetem-se um pouco por todo lado e é importante encontrar soluções e conseguir mudanças. Um grande beijinho Teresa MF

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  8. Lurdes:
    Obrigada! Sinto-me feliz por comprovar que o Efeito Borboleta é possível!
    Muitos beijos

    Carlos:
    Não faz mal... assim reforças o apoio que me dão! Obrigada!

    Nanda:
    E continuam! Têm trabalhado imenso!
    Muitos beijos

    Céu:
    Eu também, eu também...
    E sabe bem participar, não é?
    Beijos

    Mãe:
    Pois estou! É um previlégio poder estar a fazer tudo isto. Dá trabalho mas é tão, tão compensador...
    Beijo

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  9. Álvaro!
    Bem-vindo! Sem dúvida uma das competições mais difíceis, que merece enorme esforço e luta. Mais uma vez sei que a minha vida na ginástica me preparou, orientou e deu bagagem para enfrentar tudo isto. O esforço, dedicação, imaginação e prazer é muito semelhante!
    Obrigada pelas palavras! Espero continuar a ler-te por aqui!
    Muitos beijos

    Teresa!
    Vou enviar um mail com perguntas à MF!! eheheh!
    Que bom estares de volta. Fazes falta por aqui!
    Sim... é impressionante como tudo evoluiu tanto. Principalmente motiva-me e dá-me ideias... que é como gosto que seja a minha vida!
    Sem dúvida que não é preciso vir a África para encontrar histórias destas... O que é preciso é que deixem de existir. E podemos fazer muito.
    Beijo grande!

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  10. Também estive longe mas sempre a ter notícias e curiosa sobre os próximos passos...
    claro que é impossível não ficar emocionada... e ao mesmo tempo orgulhosa...
    Concordo com a minha mãe: o importante é encontrar soluções e conseguir mudanças... o importante é tentar. E é isso que tens feito com um bocadinho das nossas mãos. E que o efeito continue...
    Muitooos beijinhos grandes!

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