Estou no mercado. Sábado de manhã. Cheio de gente. Calor suportável. E uma vontade enorme de fotografar.
Demasiado invasivo… ainda… Demasiado exposto… ainda… Guardo essa vontade, com esforço hercúleo, no saco plástico que trago na mão.
Descrição breve:
Corn flakes, um pacote de leite gordo (o único pacote existente que encontrei no meio das farinhas e que vai rapidamente substituir o leite em pó!), bolachas Maria, um sumo concentrado que dá para 30 copos e um queijo às fatias muito mau mas muito bom.
Destino e Duração: Matabicho e lanche. Uma semana.
O saco desfaz-se com o peso magro das minhas compras, como se levasse só ossos que se espetam e rasgam o plástico preto de pele fina. Vejo uma banca de mangas e não corro. Ninguém corre aqui, não quero sobressair mais ainda. Normalmente tropeço ou vou contra qualquer coisa, não, é melhor não. Mangas… tenho comido, são tão doces. Mas não corro. Sabem… não corro, posso cair…e pode desfazer-se o saco… Sou a única que tem um saco na mão.
Todos estão carregadíssimos, ninguém vai de mãos livres. Mas carregam água. Crianças e mulheres, sobretudo. Carregam água à cabeça e concentram-se no caminho sem fim, como são os caminhos de cá. Poucos transportam legumes, alguns levam raízes que desconheço e as mangas são consumidas no local. É o que faço. Peço duas e sento-me, com o saco desistente numa sombra.
Foto(cali)grafias:
Como a primeira manga com o sumo a descer-me até aos cotovelos. Sorrio para os que me sorriem mostrando os fios amarelos entre os dentes. Saco algumas gargalhadas.
Lambo os dedos. Lambo as mãos. Já não lambo os braços porque penso na minha mãe. Hei-de secar.
Escrevo as minhas fotografias num caderno manchado de fruta e com o lápis a iludir-se de tinta:
“Temos materiais para diversos fins”, fotoescrevo.
“Barbearia Salão: Sai feito”
“Temos promoção. Entre para ver perto”
E a surpresa de um rosto, um aperto de mão, dois rapazes abraçados numa amizade que ultrapassa mundos, a introversão daquelas mulheres a um canto, a espera infinita de algo que não sei…
A terra está-me quente nos pés, por baixo dos chinelos… ao lado dos chinelos… já sem chinelos.
Não podia estar noutro lugar. Não podia.
Guardo a minha máquina-papel e caminho para casa. Sinto o peso pesado do saco. Deve ser do cheiro da terra, das pessoas, da minha felicidade. Está cheio de fotografias. Que vos ofereço.
(acho que é verdade)
Demasiado invasivo… ainda… Demasiado exposto… ainda… Guardo essa vontade, com esforço hercúleo, no saco plástico que trago na mão.
Descrição breve:
Corn flakes, um pacote de leite gordo (o único pacote existente que encontrei no meio das farinhas e que vai rapidamente substituir o leite em pó!), bolachas Maria, um sumo concentrado que dá para 30 copos e um queijo às fatias muito mau mas muito bom.
Destino e Duração: Matabicho e lanche. Uma semana.
O saco desfaz-se com o peso magro das minhas compras, como se levasse só ossos que se espetam e rasgam o plástico preto de pele fina. Vejo uma banca de mangas e não corro. Ninguém corre aqui, não quero sobressair mais ainda. Normalmente tropeço ou vou contra qualquer coisa, não, é melhor não. Mangas… tenho comido, são tão doces. Mas não corro. Sabem… não corro, posso cair…e pode desfazer-se o saco… Sou a única que tem um saco na mão.
Todos estão carregadíssimos, ninguém vai de mãos livres. Mas carregam água. Crianças e mulheres, sobretudo. Carregam água à cabeça e concentram-se no caminho sem fim, como são os caminhos de cá. Poucos transportam legumes, alguns levam raízes que desconheço e as mangas são consumidas no local. É o que faço. Peço duas e sento-me, com o saco desistente numa sombra.
Foto(cali)grafias:
Como a primeira manga com o sumo a descer-me até aos cotovelos. Sorrio para os que me sorriem mostrando os fios amarelos entre os dentes. Saco algumas gargalhadas.
Lambo os dedos. Lambo as mãos. Já não lambo os braços porque penso na minha mãe. Hei-de secar.
Escrevo as minhas fotografias num caderno manchado de fruta e com o lápis a iludir-se de tinta:
“Temos materiais para diversos fins”, fotoescrevo.
“Barbearia Salão: Sai feito”
“Temos promoção. Entre para ver perto”
E a surpresa de um rosto, um aperto de mão, dois rapazes abraçados numa amizade que ultrapassa mundos, a introversão daquelas mulheres a um canto, a espera infinita de algo que não sei…
A terra está-me quente nos pés, por baixo dos chinelos… ao lado dos chinelos… já sem chinelos.
Não podia estar noutro lugar. Não podia.
Guardo a minha máquina-papel e caminho para casa. Sinto o peso pesado do saco. Deve ser do cheiro da terra, das pessoas, da minha felicidade. Está cheio de fotografias. Que vos ofereço.
(acho que é verdade)
Ai borboleta (como me sabe bem saber no meu mais profundo ser, que fui a autora deste teu nome...), como fotoescreves bem!
ResponderEliminarSabes? Sou a única em casa a ler o teu blog, mas todos sabem o que escreves.
Ao Paulo consegui sacar umas lágrimas com a tua história sobre as sopas come ruido, ou o silêncio engole sopas, como preferires...
Vou arrancar suspiros hoje, quando contar estas fotohistorias e a mãe Árvore lá em casa...
Patrícia
Tens mangas e andas a comprar bolachas e sumos concentrados???? Bem, como retrato do contraste de civilizações está bem...
ResponderEliminarSabes porque ninguém corre? Por causa do calor, certo, mas não é só isso. É que todo o movimento é um prazer, é um swing, é uma dança. Compara os teus movimentos bruscos e angulosos com os movimentos suaves e balanceados deles. Não «andes»; desliza, flutua, dança-te. Acorda em cada músculo o prazer de ser músculo - da mesma maneira que deixas o prazer do sabor da manga invadir todas as papilas gustativas, deixa o prazer do movimento invadir todos os musculos.
Bem, estou a recordar a minha experiência africana... tive sorte, conheci uma África que ainda não conhecia a "civilização"...
Patrícia:
ResponderEliminarminha querida amiga,como é bom imaginar-te a contar as "minhas" histórias aos teus filhos!
Um beijo grande!
Alf:
Só há mangas e bananas nesta altura do ano... como podes calcular, sem entrar em pormenores, ando a desfazer-me um bocadinho... ehehe
(e mesmo assim não resisto)
É linda a forma como se movimentam, ando a apanhar-lhe o jeito. Fica agendado um almoço em Évora para vos mostrar as minhas aprendizagens?
Beijinhos. Gosto da tua maneira de ver o mundo.
Dia após dia te cruzas com vidas, sorrisos e inquietações. Assim ajudas a alargar o nosso horizonte e invades os nossos momentos de lazer com "tanto Mundo". Sinto-te forte e pressinto que transbordas de paixão e determinação em abraçar e ajudar esse "recanto" de humanidade. Sorrio pois consigo "fotografar" o teu bater de asas, espalhando essas cores maravilhosas e os pós de perlimpim que se soltam do teu toque suave.
ResponderEliminarAdoro-te pelo sonho que persegues e pela alegria de o partilhar.
Até já. Continuo à espera que me envies o NIB para a transferência de €.
Beijão da Manel e do Carlos
Há mangas?... Então porque é que não fizeste doce, seguindo a receita da Nanda????
ResponderEliminarBeijinhos
Adorei a vista de tua casa ao anoitecer. As pessoas que eu conheço que já viveram nesse Continente passam a vida a falar nas cores de África
ResponderEliminarRecebi com prazer todas estas "fotos" que nos
ResponderEliminarenviaste. Vi o mercado, as pessoas, as cores.
Vi-te perfeitamente entre todos.
E gostei.
(Não podias ter evitado a cena das mangas?)
Mãe
Priminha, obrigada pelas foto-grafias tão sentidas.
ResponderEliminarBeijinhos e continua :)
Olá, eu e o Eliseu estamos a gostar muito de te ler e de receber a tua partilha dos vários momentos vividos aí, em Moçambique...é uma aventura e tanto, mas apercebemo-nos que estás a frui-la e isso chega-nos cá!É também facilitado pela forma como escreves...e descreves...desejamos-te as maiores felicidades e muitos momentos gratificantes!
ResponderEliminarBeijinhos
Maria João e Eliseu (SobretudoTango)
Clarinhaaaaa!! Adorei as (foto)grafias! :) Fiquei com imensa vontade de comer uma manga dessas, bem docinhas! Vou ver se encontro alguma aqui pelos mercados de Argel! Beijinho grande e força aí!! ;)
ResponderEliminarOlá
ResponderEliminarDa maneira que tu descreves o teu dia a dia, sempre tão bonito, sempre com o copo tão cheio, não tarda tens ai a família toda....
Bjs
Luís Paulo, Dora e Ritinha
Quando (há um ano....?) fiquei em tua casa porque os pais tinham ficado em Aranza, contaste-me histórias de outra viagem, com o mesmo tom que li aqui, agora.
ResponderEliminarÉs minha prima, por isso não me ficaria bem tecer dezenas de comentários sobre a maneira como sempre descreveste tudo, todos os momentos da vida, com a criatividade que não se encontra em muitos.
Como não me ficaria bem, vou só citar-te, para nos ver: tu no sofá a contar alguns episódios e eu na mesa de tua casa freneticamente a acabar a tese. Há um ano contaste umas histórias, daqui a uns meses poderás contar esta, desta vez já no meu cantinho. "Lambo os dedos. Lambo as mãos. Já não lambo os braços porque penso na minha mãe. Hei-de secar." Eu deixarei cair umas lágrimas a rir e o André dará uma daquelas gargalhadas.
Forma bastante original de observar...
ResponderEliminarApós esta interpretação das foto-grafias não me sai da cabeça o momento que imaginei: a cena das mangas com o sumo a escorrer... Parece que vejo tão bem. Dá-me vontade de rir, mais uma vez... :)
"a espera infinita de algo que não sei…" - são por vezes os melhores momentos de espera.
Melina
Manel e Carlos:
ResponderEliminarEmocionaram-me as palavras… mesmo.
Quanto aos €… Dêem-me mais um tempo. Tenho que me entranhar ainda mais na realidade para saber do que precisam. Podem dar por dar (o que muitas vezes é muito bom) mas se eu descobrisse uma maneira de que essa ajuda se tornasse em algo sustentável… vamos falando. Não me esqueci e terei muitas propostas para depois escolherem o que preferirem.
Obrigada.
Retribuo o beijão. Mas que bom apoio me têm dado…
Céu:
Querida tia… vou tentar explicar sem ferir sentidos mais sensíveis: a minha barriga… está a queixar-se das mangas… ehehehe
Bom Sacana:
E que tal um pezinho em África? Vá lá… Há tantas cores, cheiros, magias que se perdem nas descrições.
Mãe:
É que já não tenho 10 anos… mas não consigo evitar.
(além de ter sido uma private joke…eheheh)
Inês:
Continuo, continuo… já vou na 3ª semana!!
Beijo grande
Maria João e Eliseu:
Mas que surpresa, Tangueiros! Obrigada pelos vossos desejos. Acrescentam-me ainda mais.
Beijinhos
Luís Paulo, Dora e Ritinha:
ResponderEliminarIsso é que era lindo! Protector solar. Tragam muito. E bolachas e chocolates, já agora!
Fartei-me de rir com a imagem que criaram. Obrigada!
Beijinhos
Ana:
Há histórias que não precisam de grande imaginação, por aqui abundam. Sorte a do Mia Couto! (não estando a retirar-lhe talento! ehehe!) Combinado: nesta vez no teu canto, com um café à maneira e sem teses pelo meio!
Beijos
Melina:
Inspiradíssimo o comentário... Obrigada pelas palavras!
A riqueza do teu interior, a tua sensibilidade e a capacidade de observar para além do visível surpreende-me IMENSO. Sempre senti que eras diferente, agora sei porquê.
ResponderEliminarMuitos beijinhos e Obrigada por me fazeres viajar desta forma tão especial!!!!
Quita
Nuno:
ResponderEliminarDepois de descobrir onde são, posso enviar-te umas por correio!! Valeria a pena, acredita!
Beijos aí pró Norte
Quita:
Sempre a mesma facciosa... Que bom ver-te por aqui!
Beijo grande
Olá Clara!
ResponderEliminarQue bom é saber que estás bem. O teu sentido de humor mistura-se com os sabores dessa terra maravilhosa. Aproveita ao máximo e já sabes, irei divulgar este teu espaço pelos amigos mais amigos. Vou lendo as tuas histórias...e como escreves bem...
abraços muitos e até já!
Olá Clara (inha), adorei as tuas fotografias, têm umas cores fantásticas. Tu tens uma sensibilidade para a escrita impressionante. Consegues fazer-me ver e sentir todas essas experiencias... Obrigada.
ResponderEliminarMuitos beijinhos e abraços sentidos.
Magda
Marta:
ResponderEliminarÉ que esta terra sabe mesmo bem. Nem que seja senti-la apenas nos pés.
Beijinhos
Magda:
Um abraço bem sentido também. Havemos de nos encontrar quando chegar!
É sempre um prazer enorme ler e "ver" as tuas foto(grafias).
ResponderEliminarBjs
Come uma manga e uma banana que assim compensam-se...
ResponderEliminarEstou mesmo a ver-te, até me rio sózinha...
Muitos beijinhos Teresa MF
Ainda bem que a Teresa te deu o antídoto das mangas... ( claro as bananas...). Estás aqui, estás a receber uma receita da Nanda com doce de banana,ou cenouraaaaa.A cenoura além de fazer os olhos bonitos , também faz bem a outra coisa... Aposto que me vais dizer que é melhor eu fazer só comentários "lacónicos"
ResponderEliminarBeijinhos
Clara, obrigado pela viagem...
ResponderEliminarContinua! é sempre por esse caminho em que vais, sempre em frente...
bjs
...eu tambem quero ir...
ResponderEliminarOs miudos acabam por comer as mangas o ano inteiro quase... quando aí estivémos (Julho/Agosto/Setembro) eles traziam-nas verdes verdes verdes e era um gosto para eles que as comessemos com eles. Nem era mau de todo... E as bananas... as melhores que comi foi no cruzamento de Manjacazee a caminho do Xai-Xai... perfeitas...
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